segunda-feira, 25 de julho de 2016

Uma tarde de outono em Curitiba





Flores cor de rosa das árvores da rua XV
O tocar do saxofone perto da faculdade propôs saudade   
E o repórter estava a adentrar no ar para dizer rios
Pinturas da arquitetura pontuda
O sol a debicar os prédios num zig-zag de amarelos
Azulejos de repente trazem mar
Nuvens a subir o centro histórico
Um firmamento cinza e rosa e a feira cheirando amendoim



Débora Corn

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Uma equipa um coração



Pedro estava colérico
Ninguém havia comparecido ao seu botequim
Todos largaram para assistir a Eurocopa no telão

Mas quando viu pela TV
Ronaldo chorar a sair de campo
Preencheu os olhos de água

Cristiano regressa ao gramado
Mas uma trombada com outro jogador o arranca aos prantos da partida
Fados. Pedro balança sua simétrica melancolia num suspiro
Serve um copo de vinho para si

Portugal joga por seu líder, a equipa é um
O jogo finaliza sem gols: um alívio e uma tensão
Alguém põe um fado a tocar do outro lado da rua
Ele espreita pela vidraça: é a vizinha viúva

Foi uma dona de enlouquecer olhares
E ele quase se casou com a bela
A canção cessa e logo ela chega à porta
Pede um copo de vinho e diz que o coração está emocionado com o jogo

Ela senta e ele fica contente por todos terem ido à Praça
Começa a prorrogação: Nervuras e um acreditar no fundo dos olhos
Eder chuta no cantinho um bocadinho para lá e é gol. Fado!

Cristiano brande fora do campo com uma nação
Pela pequena TV do botequim: um miúdo português abraça um francês e o consola
A cena faz Pedro pensar que é gente assim que merece ganhar
No meio da emoção, ele e a vizinha pulam se abraçam e se olham como dantes

Débora Corn

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Com saudade



Eu vivo com saudade. Se não estou com saudade de um, estou do outro, se não do outro, estou do um. Por que não moram todos os amigos no mesmo castelo de areia? Digo amigos de olhos fundos de amor, mãos, balaio de gato, gato, chutney de manga, Drummond, Versailles, Cazuza.
Pera aí, vamos morar no sol?
Muito quente.
Na lua?
Tenho medo de altura.
Desenha pássaros pra mim? Assim como você faz: eles voando.
Sim, isso sim.
Tocou aquela música que você gosta com violino.
Sim, faz dançar meus pensamentos. E... no meio tem piano.
Gosto mais da parte do piano me emociona um bocado. Desenha uma cantiga!
Primeiro os pássaros de peito amarelo e rabo azul, depois faço a cantiga cor de estrela.


Débora Corn

terça-feira, 20 de outubro de 2015

O dia avança na asa do pássaro



Não há ipês em Londrina
E meu afeto os quer fotografar
As árvores são virtuosas por lá
Mas as pau-d’arco e as violáceas caíram

O dia avança na asa do pássaro
Em minha cidade eles resistem no alto
E forram o chão de cores
A neblina ablui cada ipeúva

Débora Corn

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

10

SETEMBRO

O ipê dançando num giro romântico
Caiu no asfalto
Não sentiu dor nem gritou
Amarelo repousou na rua
Na triste quarta de calor
Não era primavera visto que o ipê floresce no inverno
Ele aviva a garoa

Desabou num rodopio poético
E quem passava não aplaudiu
Tampouco olhou seu exagero de beleza
Luz na praça aclarava o balé
Mais um girou lentamente até pousar
O restante sacudiu suavemente
A espera do minuto exato


Débora Corn
Poema pág 10 de Pinturas para Claude
Editora Corpos

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Everything that kills me



Fica tudo entre a frieza e a simetria
Montanhas, ruas: bicicletas e lágrima
Entre Dublin e o Rio há apenas um passo
Um voo de asa-delta

Um amor de braços abertos atrás do Cristo Redentor
Que em seguida se arremessa da Pedra da Gávea
Penso entre melancolia e júbilo
Estou em meio ao azul e a altura

O sorriso do transeunte aquece meu olho cansado da maré noturna
As luzes no calçadão calam as estrelas
Um sentimento alheio enquanto os sambistas atravessam a via
Homens jogam vôlei, o mar avança


Débora Corn

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Bem-te-vi



Bem-te-vi no olhar do sabiá
Guardei tua chegada no segundo que não ecoa
Te vi dentro do medo que me esvazia
Bem-te-vis à borda do riacho que o vento balanceia

Vi-te na toada do canário sonolento
Na claridade bruxuleante dos efeitos
Em luminárias coloridas em frente à morada do palhaço

Sabia bem-te-vi cantiga de onda
Vi o trovar do basalto
Bem-me-viu alagar o olho de pôr-do-sol


Débora Corn