terça-feira, 4 de maio de 2010

Los Argentinos





Que coisa louca são meus amigos, não nos vemos sempre, mas quando nos encontramos é pura diversão, quase um besteirol americano, nesse caso argentino. Fim do ano é propício pra encontros, quando a maioria está de férias e as pessoas já esperam as mudanças provenientes do próximo ano, the New year, vai nos salvar! Ah, vai.
Pois bem, no último dezembro nos encontramos, almoçamos juntos e depois fomos passear pela cidade, sorvete pago por um, amendoim por outro, cerveja, drink, suco, pipoca, doce, chiclete...
Já passava das seis da tarde e fomos andar pela feira de Natal, encontramos uma mulher que queria que fizéssemos o cartão da loja na qual trabalhava. Ficamos batendo papo com a promotora, que perguntou de onde éramos, qual cidade. Falamos que isso não poderia ser revelado, ela tinha que adivinhar... Ela citou várias cidades, nenhuma que ilustrasse nosso momento.
Continuando a andança pela feira, passamos numa barraca mexicana e começamos a trocar palavras com o vendedor e saímos dali falando um “portunhol” atrevido.
No caminho encontramos um homem vestido de rena, do Papai Noel, e numa brincadeira começamos a chamá-lo de Viadito, Viadito!! Sem ele ouvir.
Mas, o negócio, é que o portunhol grudou.
Decidimos ir num bar, que sempre frequentamos e na reta que se segue até chegarmos ao lugar, fomos falando de tudo e de todos os transeuntes em característico portunhol.
Quando estávamos quase na porta do estabelecimento, um de meus amigos, Neto, que é professor de história de adolescentes, encontra um de seus ex-alunos.
O menino perguntou a ele onde ele estava indo:
- Estava levando meus amigos argentinos num barzinho, disse ele precisamente.
Eu e meu outro amigo, Moisés, prontamente nos vestimos com as personagens, los argentinos, ao ouvir a menção de nosso amigo curitibano.
Poderia fazer uma pausa aqui para contar sobre a psicologia das personagens, mas iria tomar um tempo grande e talvez não interesse tanto, vamos prosseguir, sem demoras.
O menino, num susto, queria nos conhecer, nos abraçar. E eu que estava passando filtro solar no rosto, porque já passava das seis, mas o sol ainda estava a pino, falei, com um sotaque imitado do mexicano da barraca:
- ¿Tudo bien, como estás, sol muy quente a cá em Brasil, heim?
E Neto, continuou:
- Eles são atores na Argentina, nem sei como consegui contato com eles, lá na Argentina, eles não conseguem nem sair na rua de tão famosos. O menino cresceu os olhos. Fazíamos de conta que nem estávamos ouvindo Neto comentar sobre nossa tão badalada vida.
O menino então perguntou se não queríamos ir com ele no Palácio Avenida ver o coral das crianças. Los argentinos queriam saber sobre a atração:
- O que és Palácio Avenida?
Nosso anfitrião e seu aluno, explicaram, “em portunhol”:
- É lo coral com los niños cantantes.
- ¡Ah, que belo, entonces, vamos ao coral!! Hablou la argentina, já prevendo a “comedia” que seria.
Quando colocamos os pés sobre a calçada portuguesa em frente ao Palácio Avenida, los portenhos, com seus óculos escuros, maneirismos gringos inventados nos últimos quarenta minutos, chamavam olhares, exigiam aplauso...
O menino encontrou com outros ex-alunos de nosso guia e contou a novidade para todos. A rapaziada ficou eufórica com os famosos argentinos, frente a frente com eles. Tiraram fotos, muitas fotos... E de repente mais gente queria tirar fotos conosco e Neto, que não parava, sempre estava renovando a história de “los argentinos” pra quem chegasse.
Todos queriam saber como era a Argentina, as mulheres queriam saber sobre los hombres argentinos, los ticos sobre las ticas, sobre la noche argentina, sobre lo tango, sobre nossa amada Buenos Aires, se viemos a trabalho ou passear...
Íamos respondendo, “argentinamente”:
- Los portenhos são muy guapos...
- ... Nuestro vinho es lo mejor de la América Latina…
- Viemos a trabajo e también passear um poquito, vamos ficar aqui até mañana e passar ano nuevo em Rio e carnaval em la Bahia.
Quer coisa mais de turista, de gringo, que ano novo em Copacabana e carnaval em Salvador?
Todos ficavam encantados com los famosos, tanta coisa que eles faziam. E arrematei num fio de voz, que todos silenciaram pra escutar:
- Después de lo carnaval, nosotros vamos a América Central e América do Norte para divulgação de la película, nuestra película:
- O novo filme deles.
Completou o guia.
Depois de muita conversa, diz a “gringa”:
- ¿Onde posso comprar una agua, puede ayudarme?
Todos imediatamente queriam levar a argentina para a barraca mais próxima, mas o guia fez isso. Nem na barraca, a personagem descansa:
- Pero que yo quiero una agua... Gracias.
Quem ficou com o argentino, queria ver lo peso, la plata argentina. Quando voltamos, Moisés estava procurando na bolsa o dinheiro para mostrar aos curiosos, pregunta-me ele com um meio sorriso, querendo rir por inteiro:
- ¿Tienes, dinero para mostrar a ellos?
- ¿No, trocamos tudo em la casa de câmbio no recordas?
- Sí, claro, por supuesto.
- ¿Que horas empeza? Preguntei, sabendo que era oito e meia.
Ficaram parados, tentando entender, o primeiro menino a nos conhecer, embarcou no portunhol, tentando fazer com que entendêssemos, “otio” “las otio e meia”.
Mas uma das situações mais hilárias foi a hora que começaram a nos questionar sobre futebol. Os garotos da roda, sem vacilar, diziam num coro:
- Brasil é melhor, de longe...
E los argentinos defendiendo su patria:
- ¡No, no, Argentina es la mejor selección del mundo!!!!
E a discussão durou mais de dez minutos e argentinos e brasileiros não chegaram a um acordo. ¡No lo creo!
Poderia também fazer outro parêntese aqui para contar sobre a arrogância que impusemos aos brasileiros nessa situação sobre futebol, mas talvez ficaria numa já conhecida rivalidade entre Brasil e o país vizinho.
Depois de tanta exposição, los hermanos ficaram cansados.
Trocando olhares, comunicamos aos admiradores:
- Precisamos ir.
Os fãs conquistados, também no Brasil, ficaram tristes, pois os famosos argentinos deveras tinham que ir. Pausa pras últimas fotos. E saímos no meio da multidão que esperava pelo coral, escoltados por nosso guia e, nesse momento, segurança. Ainda pude ouvir um fã sussurrando no meio da multidão:
- Eles são tão maravilhosos!
O que iríamos comer? Fomos numa pizzaria ali mesmo, do lado do Palácio. Entramos e Neto, insaciável, conta toda história para o garçom, que fica fascinado com os argentinos. O guia incrementa mais a história: nos pergunta se o garçom não é a cara de “Diego Morales”, um ator que filmou o último filme conosco. Ficamos espantados de ver e constatar que ele realmente era a cara de Diego. Mas dissemos que Diego, era muito bom ator, mas tinha a vida muito desregrada, tinha três filhos e um com cada mulher, isso tudo dito no bom portunhol. O garçom disse que ele não, ele tinha uma vida tranquila. E logo voltou com uma máquina para tirar fotos com as celebridades. E todos os garçons quiseram também a lembrança pra mostrar para os amigos. Pra resumir: em dois minutos chegou a pizza... Acompanhada de um vinho argentino de cortesia, “pra lembrar nossa terra.”
Do nada chega outro ex-aluno de nosso guia na pizzaria. Neto conta tudo pra ele, que estava só passando, mas fica.
E agora a história de Diego Morales se repete, só que, nesse contexto, quem é a cara de Diego é o menino que acabou de chegar. Ele fica muito contente em ser parecido com um grande ator argentino. E fica com o semblante tristonho quando ligam pra ele e ele tem que ir.
Continuamos ali por umas duas horas, entre uma foto, um tchau e uma linha nova inventada por nosso anfitrião brasileiro.
Decidimos ir, todos os garçons querem se despedir, nos cumprimentar.
Saímos e ainda vemos o fim dos fogos do Palácio Avenida. E assim também, o fim do dia de los argentinos. Que mostra como as pessoas gostam de consumir falsos ídolos, famosos, celebridades.
E tudo isso pra quê?


Débora Corn

"Dedico esta crônica aos amigos amados, Moi e Netito, sem os quais não seria possível viver momentos loucamente doces ou docemente loucos". Besos argentinamente hablados haha!

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